"O livro sempre foi mais importante para mim do que vender minhas fotografias. O livro é o que garante que seu trabalho durará mais do que qualquer outro meio." - Robert Frank

Roteiro
Temporada: 003
Episódio: 004
Gravação: Henry Milleo
Locução: Henry Milleo
<FADE IN
ENTRA MÚSICA
MÚSICA DESCE>
Olá pessoal, sejam bem-vindos.
Esse aqui é o Arquivo Raw, um podcast para falar sobre fotografia.
Eu sou Henry Milleo, sou fotógrafo e editor de fotografia e também host dessa coisa toda aqui.
E hoje o tema é livro de fotografia - um dos meus temas favoritos, eu devo dizer, porque eu sou meio viciado em livros de fotografia.
Para vocês terem uma ideia, eu curto tanto livro de fotografia, de apreciar, de analisar, ver que tipo de papel foi usado, que tipo de impressão, que eu até já tive uma editora que era especializada em produzir livros de fotografia.
Ela se chamava Artisan Raw Books, era sociedade com um fotógrafo amigo meu, funcionou por pouco mais de um ano, entre 2020 e 2021, e a gente publicou mais de 30 livros de autores de diversas vertentes da fotografia.
Foi um período bem legal, tanto para conhecer novos trabalhos, quanto para aprender sobre como produzir um livro e mergulhar nesse universo. Tanto que ainda hoje eu trabalho como editor freelancer ajudando fotógrafos a tirar projetos da gaveta.
Então, se tu tem um projeto aí e pensa em produzir um livro ou um fotozine, manda uma mensagem.
Mas, voltando após essa publicidade e antes que eu comece a divagar muito por aqui, eu preciso fazer aqueles reclames de início de episódio.
Então vamos lá. Primeiro eu quero pedir para vocês deixarem a sua indicação de tema para os próximos episódios, para seguirem o Arquivo Raw no instagram: arroba arquivo underline raw, para compartilhar esse episódio nas suas redes - mande para aquele amigo que você acha que vai se interessar -
E também, se puderem colaborem ouvindo o episódio lá na Orelo: orelo.cc/arquivoraw. A Orelo paga aos produtores de conteúdo por episódio ouvido na plataforma deles. Não é muito, é coisa de centavos, mas no final já ajuda a manter o podcast no ar.
E, se você quiser ajudar um pouco mais, você pode enviar um pix com qualquer valor para a chave que está na descrição desse episódio, ou visitar a loja lá em henry milleo ponto com ponto BR e adquirir um dos produtos.
E é isso. Recado dado, vamos ao episódio.
<ENCERRA MÚSICA E ENTRA VINHETA
ENCERRA VINHETA E MÚSICA VOLTA>
Eu não sei se vocês têm essa fixação em livros de fotografia, se entram em uma livraria ou um sebo atrás de alguma publicação ou mesmo se mantém em casas uma biblioteca - por menor que seja - mas já quero começar dizendo que se vocês não têm, deveriam começar a ter - tanto a fixação quanto a biblioteca.
Livros de fotografia são um universo que se abre e acabam por se tornar referência em nosso trabalho, não importando em qual área da fotografia você atue ou mesmo se essa referência vai ser consciente.
Os livros são a expressão do trabalho de um fotógrafo. Um trabalho que pode ter levado um bom par de anos para ser produzido, ou mesmo um tiro certeiro de um evento único que foi pensado para ser entregue para o público na forma de um documento em imagens.
Por exemplo: Sebastião Salgado levou oito anos fotografando e pensando no Gênesis e fez mais de 30 viagens ao redor do mundo para buscar os lugares mais isolados para produzir as imagens do projeto.
Isso é se dedicar a um projeto. E, apesar de ter exposições, palestras e publicações em jornais, revistas e portais, ele escolheu o livro como principal forma de distribuir o trabalho que ele fez.
E sabe por quê? Porque o livro é onde o fotógrafo mais encontra liberdade de controle do seu material, melhor disposição narrativa e, principalmente, permanência.
A exposição acaba, os jornais, revistas e portais passam, mas o livro permanece. A visão que o fotógrafo teve do seu próprio trabalho, a história que ele pensou em contar – e contou – vai estar sempre ali.
Você pode encontrar um livro em um sebo, editado por um fotógrafo em 1950, e ele ainda é o mesmo.
Aliás, Robert Frank, o fotógrafo que editou o livro que é considerado o melhor livro de fotografias já publicado, o The Americans, sempre dizia que não tinha interesse algum em vender as suas fotos, que a única coisa que interessava ele em relação ao seu material era publicar livros, porque os livros era permanentes.
E eu tenho muito isso para mim, trato essa frase quase como um mantra.
E é claro que eu vendo minhas fotos e faço trabalhos comerciais, mas para aqueles trabalhos que eu acredito, que são projetos meus, o fim é sempre uma publicação. Seja em livro, seja em fotozine – que é um suporte que a gente vai tratar aqui em um episódio futuro.
Mas, seguindo em frente, não é simples publicar um livro. Isso eu sei. Mas não é algo impossível, basta planejar e é sobre isso que vou falar agora.
Sair de uma folha em branco para a realização de um livro de fotografias demanda organização e divisão do trabalho em etapas.
A primeira delas é a edição, onde é feita a seleção do material, porque um livro tem um limite físico e um limite criativo, digamos assim.
O físico é a quantidade de páginas que ele terá. O conjunto de cadernos da publicação que vai conter as imagens, os textos - se houverem - e demais informações ou intervenções que se imagina no projeto.
Já o limite criativo é mais sutil e serve para dar fluidez à narrativa para o livro não ficar monótono, cansativo ou perder o leitor.
Para os fotógrafos a edição talvez seja a fase mais difícil de vencer. Isso porque é exatamente aqui que é preciso fazer os cortes necessários. Deixar de lado algumas imagens, por mais que elas tenham um apelo sentimental ou que possam parecer indispensáveis para o conjunto.
Mas um livro não é feito de uma única imagem e, não raras vezes, uma foto que se acredita muito forte ou visualmente consistente acaba por enfraquecer o trabalho em vez de acrescentar algo. Algumas fotos são concebidas para serem single shot e um livro demanda de um conjunto consistente. Uma narrativa onde cada imagem tenha sim sua individualidade, mas que mantenha o diálogo com o todo, seja pela invocação da sequência ou pela oposição à ela.
A segunda etapa é o sequenciamento. A ordem de entrada e saída de cada foto dentro do livro. É aqui que a narrativa começa a ser contada. E é aqui também que uma pergunta importante deve ser respondida: que tipo de história eu quero contar e como eu quero contar essa história?
A sequência é tão importante para o livro que é ela que vai definir como ele vai ser visualmente. Se ele vai ter um visual clássico, com uma foto por página, se vai ter quebras na narrativa visual para separar blocos da história, se vai ser um livro denso ou leve, de leitura rápida ou lenta, se a história segue uma linha cronológica ou se é como um filme do Tarantino, com o clímax já na abertura.
Já a próxima etapa da construção de um livro é consequência da edição, que é a paginação.
Ou seja: a distribuição de cada imagem em seu respectivo lugar.
E boa parte desse processo é feito ao mesmo tempo que o sequenciamento, já imaginando as quebras na narrativa, se houver, e como elas vão acontecer dentro da publicação.
Isso porque uma história - e um fotolivro - não é sempre necessariamente linear. Uma imagem pode estar mais ao pé da página, para reforçar uma ideia visual de solidez, como pode estar em páginas duplas, para “saltar aos olhos” do leitor e fazer uma pausa mais dramática para apreciação, ou mesmo sozinha, tendo uma folha em branco ao seu lado para “limpar”o olhar para a sequência que segue.
Para vocês terem uma ideia, o livro Sleeping by the Mississippi, do Alec Soth, um dos grandes livros de fotografia da atualidade – apesar de ser editado em 2004 -, tem 120 páginas e só 48 fotos. Só que essas 48 fotos foram distribuídas de tal forma que parece que têm 200 fotos no livro.
Isso porque a sequência e distribuição delas nas páginas foi muito bem pensada.
E não são só edição, sequência e distribuição que interferem na maneira que um leitor vai ler a história.
Uma etapa que não segue a sequência, mas que permeia todo o processo de criação de um fotolivro é a escolha do material da impressão. Um papel mais poroso traz um tipo de sensação táctil e combina com um tipo de trabalho, enquanto um papel mais liso ou brilhante funciona melhor com outro tipo de projeto. Da mesma forma, uma gramatura maior traz um folhear mais pesado, faz um livro passar mais lento, diminui o ritmo da história a ser contada, enquanto uma gramatura menor casa melhor com trabalhos visuais mais frenéticos, aumentando o ritmo da história.
Usando de exemplo novamente o Robert Frank, ele tem um livro chamado Good Days Quiet – que é um livro lindo, diga-se de passagem - que foi editado pela Steidl em 2019, que são fotos que ele fez do seu cotidiano em sua casa, que é uma casa isolada, na beira de um lago que congela no inverno.
É um trabalho mais autobiográfico, com imagens dos cenários do seu dia a dia, de objetos e cômodos da casa, de paisagens dos arredores de onde ele vivia e alguns retratos da sua companheira e de pessoas que iam visitá-lo.
E nesse livro ele usou um papel poroso e mais grosso; quase um papelão. O que faz com que a passagem das páginas seja mais lenta, que combina com o passar arrastado dos dias nesse lugar.
E tem outro livro, que eu editei em 2020, de um fotógrafo carioca que acompanhou por 6 anos o carnaval de rua na periferia do Rio de Janeiro, longe do glamour das escolas de samba.
E ele fez esse trabalho para seguir como se fosse um rio mesmo, alternando entre imagens de baixa velocidade dos desfiles e congeladas do público e dos bastidores, então os momentos de rapidez e de calmaria se alternam, como se fosse um curso de rio mesmo, com corredeiras, águas calmas e margens.
E para trazer essa sensação a gente optou por usar um papel de 90gramas, o que é uma folha bem fina, então as páginas passam muito rápidas, como se fosse uma navegação em uma correnteza e, para desacelerar, usamos o artifício de incluir páginas com fundo preto, para quebrar o ritmo de leitura.
Isso só para vocês verem que não basta juntar um monte de fotos e publicar junto. É preciso pensar em como entregar isso tudo, em como a história vai ser lida.
Da mesma forma, as dimensões também funcionam nesse mesmo sentido. Livros menores, fáceis de carregar e livros maiores, para se segurar com as duas mãos reforçam ou minimizam o peso da história que eles contém.
E, por fim – por fim para simplificar aqui esse tema, porque tem muita coisa para falar sobre a criação de um livro de fotografias.
Mas, por fim, a capa.
Está certo quem diz para não julgar um livro pela capa. Mas, nos livros de fotografia, essa é uma parte importante do processo, porque faz parte da narrativa visual da publicação. Um livro de fotografia, apesar de trazer nele uma história, não é como um romance ou um livro de poesias. É tão forte quanto, mas a forma de “escrita” é diferente.
Por isso a decisão sobre a capa deve ser muito bem pensada. Se terá uma foto que represente o todo, se trará apenas o título em um fundo monocromático, se será um conjunto de imagens ou um grafismo artístico, se fará parte mais profunda do conjunto, com uma foto que não está no miolo da publicação porque a própria capa é a abertura da história… A capa é o cartaz do filme, a faixa pendurada na rua e que atrai a atenção. Pode ser tanto um spoiler quanto um enigma. E, muitas vezes, ela surpreende pela simplicidade.
Mas o mais importante dessa conversa toda é saber que um livro é uma troca, um diálogo entre autor e leitor. O fotógrafo tem uma história para contar e o leitor precisa ter uma margem de liberdade para tirar a sua própria conclusão sobre a narrativa, porque uma história pertence ao mundo e, por mais que você não saiba, é exatamente por isso que você fotografa.
<SOBE MÚSICA
DESCE MÚSICA>
E é isso pessoal.
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E me sigam também no Instagram @henrymilleo.
E é isso.
E eu vou ficando por aqui.
Obrigado por acompanharem mais esse episódio.
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Esse episódio usou trilha do Podcast.co
Até a próxima semana. Fiquem bem. Ciao
<SOBE MÚSICA
FADE OUT
ENCERRA>
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